domingo, 4 de agosto de 2013

Gato preto



Como esta manhã não há mais. 
Acordo e como sempre, a primeira coisa que faça é beber um copo cheio de água. Despejo de um jarro para o copo e bebo de uma só vez. Desta vez parece-me mais cheio, mas é apenas o formato do copo.

A vida também tem destas coisas. Há dias em que parecem não terminar, e no entanto, as horas são sempre as mesmas. Saio de casa, atravesso a rua.
Ao fundo, bem ao fundo, um gato preto olha-me nos olhos e parece até confrontar-me. Não é que tenha algum tipo de superstição, mas aquele olhar incomodou-me. De repente, e sem motivo aparente, começou a chuviscar. 
Apresei-me a correr para debaixo das varandas dos prédios que preenchem as ruas e lhes roubam o Sol quando ele está de pé, mas que por outras vezes, nos protegem e apanhar uma valente molha. Penso no gato novamente. O que estaria ele a pensar? Será que adivinhou os meus pensamentos nesse instante? 
Os meus medos, os meus segredos, ou será que conseguiu ver algo através do meu olhar? Temos que se o tenha feito, possa ter ficado confuso, baralhado, desnorteado e, talvez por isso, tenha ficado tanto tempo a olhar para mim.


Sigo o meu caminho num compasso lento, para me tentar desviar das gotas que correm nas varandas e me atingem a cabeça e o pescoço, causando-me um certo desconforto. A calçada, molhada, faz com  que, uma qualquer pessoa, parece um excelente bailarino, tentando encontrar o equilíbrio perfeito para não se magoar a sério.

Ao meu lado, as estradas, também elas molhadas, as sarjetas como sempre entupidas e as pessoas molhadas, porque as calçadas e as estradas estão molhadas e as sarjetas entupidas.


Chego finalmente ao metropolitano, e vou apressado, pois já estou atrasado, quando vou passar o passe na máquina, esta indica-me que o meu título não está válido, tento novamente, a mesma indicação. Ao longe, e atrás de mim, pessoas indignadas, com comentários menos próprios. Tento novamente. As portas abrem. Atravesso e fico preso. Caiem-me dos lados o meu telemóvel, a carteira e algumas moedas. Tento desprender-me e quando volto a olhar para o chão o meu telemóvel tinha desaparecido. Ainda tive a esperança que alguém me o viesse entregar, mas em vão.

Agora para além de molhado, estou sujo, dorido, e sem telemóvel. Desço as escadas. Ouço uma voz no metropolitano que diz: “Proteja os seus bens, e esteja especialmente atento, às entradas e saídas do comboio”. Era mesmo o que me faltava ouvir.

Entro no metropolitano. Todos me olham. Todos se olham. Os cheiros misturam-se, os corpos misturam-se. 

Chego ao destino finalmente. Na minha cabeça agora só me ocorre aquela visão do gato preto a olhar para mim. Ou seria eu que estava a olhar para ele?

Porque achamos sempre que estamos a ser observados, vigiados, e nunca paramos para pensar que se não somos nós, que no final de contas, estamos a olhar? Quem sabe essas pessoas não se sentem também elas intimidadas e por isso olham para nós?


Estamos tão concentrados a olhar para o nosso umbigo que não nos preocupamos um só segundo para pensar que não somos o centro das atenções de tudo e de todos. Tão típico. Tão português.


                                                                                                                      14.06.2012

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